Dona Bia
Tecendo sonhos em labirinto
Aos 73 anos, Dona Bia ainda sonha montar um negócio que una suas duas paixões: artesanato e gastronomia
“Eu trabalho com a alma, com o coração, com muito amor”. É assim que Maria Beatriz Andrade da Cunha, a Dona Bia, fala de seu trabalho. Apesar de ver o labirinto como uma terapia, ela leva o ofício a sério. Quando está estressada, pega sua caixa de materiais e vai até o alpendre de sua casa, que fica a poucos metros da praia. Ao som das ondas que quebram no mar, ela se distrai enquanto cria belas peças.
Aos 73 anos, o artesanato continua fazendo parte da rotina dela. Um hábito que começou a ser tecido aos sete anos. “A gente começava juntinho à mãe, olhando, ficando encostado e treinando os primeiros pontinhos”, recorda. A mãe trabalhava como lavadeira e fazia labirinto para ajudar o marido, agricultor e pescador, no sustento da família. “O meio mais forte era esse: lavar roupa. O labirinto era aquela coisa que ia despontando e ajudando”, conta.

Naquela época, graças a uma mulher chamada Matilde, a arte do labirinto estava ganhando força em Canoa Quebrada. Todas as mulheres que tinham interesse na arte iam até l á para aprender. A mãe de Dona Bia era uma delas. Ela ia nos finais de semana quando tinha tempo livre.
Assim como a mãe, Dona Bia não vê problema em repassar o que sabe. “O primeiro passo é cortar e desfiar o tecido, que é cambraia de linho. Aí você vaza ele todinho, pra poder começar a fazer a arte”, mostra. Pacientemente, ela também explica como é feito o minucioso processo de contagem dos fios. “A gente faz isso pra ter noção do espaço quando vai colocar as amostras no papel milimetrado”.
Mas não é só em meio a linhas e agulhas que Dona Bia se sente em casa. Ela conta que sua outra paixão é cozinhar. Inclusive, já teve até um restaurante, o Dengo da Bia, que funcionou entre 1982 e 1996. “Nessa época, o turismo tinha despontado bem forte, depois foi dando uma baixa, se aquietando, aí eu comecei a entrar no mundo do labirinto”, ela relembra.
Em 2008, a labirinteira fundou a Associação dos Artesãos de Majorlândia (Assam), mas lamenta que hoje o projeto não seja tão ativo. “As pessoas não querem trabalhar com associação. Eu fundei, eu organizei, mas ela não é minha. Ela só vive se tiver artesãos, colegas”, acredita.
Durante dois anos, Dona Bia parou de trabalhar porque perdeu a visão. Ela passou por uma operação e teve alta em março de 2015. A artesã defende que a causa não foi o labirinto e diz que nunca teve problemas de vista, mesmo trabalhando em condições adversas. “Eu tenho uma peça aí que, há cinquenta anos, eu trabalhei com ela na lamparina”, orgulha-se.

Hoje em dia, os labirintos dela podem ser vistos e apreciados mundialmente em peças da grife Água de Coco, presente em lugares como EUA, Canadá, Espanha, França, Alemanha, Itália, Portugal, Japão, Austrália, Caribe, México, Havaí, Costa Rica e África do Sul. “Eu comecei em abril a coleção da Água de Coco. Tudo em vestidos e saias elaboradas. É moda praia, mas esses vestidos são pra alta costura. Tudo longo, as saias do mesmo jeito. Eu estou terminando”, comenta.
Dona Bia diz que sofre durante a noite com dores nas articulações por conta dos movimentos repetitivos. Mesmo assim, não desanima. Quer continuar trabalhando para alcançar o sonho de montar a própria loja, “mas de alta costura, com coisas elaboradas”, planeja.
Para a artesã, as pessoas hoje não se interessam tanto por labirinto, principalmente por ser um trabalho minucioso que requer tempo e dedicação. “Pro corte, eu levo menos de um dia, mas pra puxar eu levo uns três ou quatro dias, porque o fio é muito delicado”, estipula. É por isso que, muitas vezes, precisa recusar encomendas por falta de mão de obra.


Eu sou aposentada, mas tem dias que eu preciso ter limites pra poder ter o dinheiro das minhas frutas, dos meus legumes.
O que move o trabalho de Dona Bia é o amor pela arte. Ela compra tecidos que custam caro e se dedica de corpo e alma, embora o retorno financeiro seja baixo. “Artesão é pobre, né? E tem dias que ele não tem nem o dinheiro do pão, mesmo trabalhando. Eu sou aposentada, mas tem dias que eu preciso ter limites pra poder ter o dinheiro das minhas frutas, dos meus legumes”, confessa.
Ao falar do quanto recebe com labirinto, ela mostra uma renda que vai ser aplicada em uma bata. “Uma peça dessa sai por R$ 80,00. É caro?”, pergunta e, logo em seguida, responde: “Não é”, reconhecendo, assim, o valor do próprio trabalho.
A mais velha de um total de dez irmãs, Dona Bia afirma que é a mais apaixonada por labirinto. “Todas fazem, mas cada uma tem o seu mundo”, comenta. Solteira e sem filhos, a artesã guarda consigo o receio de que a tradição seja perdida. “Fico com medo que isso acabe, que isso passe e os nossos não conheçam”, finaliza.