Dona Bernadete
Suor que escorre na palha
Dona Bernadete trabalha desde criança para ajudar em casa e hoje a palha de carnaúba é sua melhor amiga
Dona Bernadete, 56, é uma mulher simples, que nunca fugiu de trabalho. Quando tinha 10 anos, já ajudava a mãe fazendo esteiras de palha enquanto o pai ia para o roçado. “Passava era a noite todinha fazendo, até o dia amanhecer”, recorda.

Eram tempos difíceis, então, ela e os cinco irmãos trabalhavam para ajudar em casa. As esteiras que fazia com a mãe garantiam o gás, o açúcar, a farinha e o café. O pai dizia que não tinha condições de dar roupas e calçados, por isso, a saída deles era trabalhar um pouco mais. “A gente ia juntando o dinheirinho, aí comprava os panos pra fazer nossas roupas. Era o jeito”, ela conta, afirmando que nunca se envergonhou disso.
A artesã conta que não dava para trabalhar com palha durante o inverno, mas não se acomodava nesse período. “Lá onde eu morava tinha algodão, cajueiro, roçado pra a gente apanhar feijão. Tudo isso a gente fazia. E até hoje, continuo com a mesma vidinha. Nunca deixei de trabalhar”, relata.
Antes de morar em Majorlândia, Dona Bernadete vivia em uma pequena comunidade de Aracati, chamada Outeiro. Há 30 anos, casou e mudou para a praia, onde começou a fazer labirinto. Abandonou os tecidos porque diz que “apura a vista”, achando melhor voltar a trabalhar com palha. “Não é nem pelo sustento, é porque eu gosto mesmo, sabe?!”, declara.


A gente ia juntando o dinheirinho, aí comprava os panos pra fazer nossas roupas. Era o jeito.
Foi assim, unindo o útil ao agradável, que a artesã criou oito filhos com o marido pescador, que hoje é aposentado. Durante a semana, ela sai para fazer faxina nas casas e tira as noites para se dedicar às esteiras. Aos domingos, ainda encontra disposição para trabalhar em uma barraca de praia.
“Ah, se eu tivesse muito tempo”, ela pensa alto, acreditando que conseguiria ser mais produtiva se tivesse dias maiores. “Mesmo assim, eu ainda faço duas esteiras de noite. Eu começo assim umas seis horas, na hora da novela. É num instante. Se eu me sentar de dia, eu faço de três a quatro, mas é porque não dá”, lamenta.
A habilidade de Dona Bernadete impressiona. Ela senta no chão, apoia os pés na palha e movimenta as mãos com rapidez. Em instantes, a esteira vai tomando forma. “Esse meu trabalho, você faz de todo jeito. Não tem negócio de ficar olhando, não. Porque a gente já é prática, né? Eu fico só fazendo. Só no tato eu faço. Aí quando eu vejo que tá bom, eu meço”, comenta.
Cada esteira tem dois metros de comprimento por um de largura. Dona Bernadete também faz tranças que medem aproximadamente 22 metros, reaproveitando o material mais delicado que não serve para as esteiras. “Eu só faço as esteiras e as tranças, porque a gente aprendeu a fazer só assim. Aí ninguém nunca se interessou em costurar e fazer na máquina”, ela diz, justificando porque não faz bolsas, cestos e outras peças de palha.

Ela conta que consegue fazer, em média, 10 esteiras por semana. “O comprador traz a palha. Ele vende a mim e eu faço o trabalho pra ele. Então ele desconta o dinheiro da palha e me devolve o dinheiro. É assim”, explica.
Cada esteira custa R$ 5,00 e cada trança, R$ 0,60. É o próprio comprador quem fixa esses preços. “Rapaz, tem semana que eu faço R$ 60,00 só da minha parte. Porque é assim: depende do tanto de esteira que você levar. Das esteiras que você leva é que você vai arrecadar o restinho pra você”, revela.
Dona Bernadete não reclama dos preços das esteiras e das tranças, ao contrário do marido e dos filhos, que além de considerarem injustos para o trabalho que ela tem, alegam que o comprador sai ganhando na revenda. “Eles acham muito barato. Tá certo, deixem que eu faço. Eu gosto”, ela se defende.
Um grande ponto a favor de Dona Bernadete é que ela é a única pessoa de Majorlândia que faz esteiras e tranças. “Aqui não tem esse negócio de palha, porque nem sabem. Às vezes, tem gente que vê e pergunta o que é. É porque aqui só é labirinto, areia colorida e pesca”, comenta.
Dona Bernadete não consegue ficar parada um dia sequer. Ela diz que vai levando a vida assim porque está acostumada a trabalhar desde pequena. Vendo a disposição que ela tem até hoje, parece que não vai parar tão cedo.